quarta-feira, 7 de maio de 2008

MAIO DE 1968 - artigos, notícias...

Preparando para nossa Roda de Diálogo amanhã, vimos que o Jornal do Commercio, Folha de S. Paulo e diversos impressos estão com reportagens especiais e artigos.

Jornal do Commercio
Especial - 1968 - A revolução dos sonhos (publicação de 04/05 a 11/05)

Eles queriam o impossível
Publicado em 04.05.2008
Wilfred Gadêlha

wgadelha@jc.com.br

Há quem diga que 1968 foi um ano que não coube em apenas 365 dias. Um ano cuja influência continua sendo discutida 40 anos depois, alimentando polêmicas e reavivando debates. Um ano em que a juventude nascida após a Segunda Guerra assumiu o próprio destino. Ou pelo menos a tarefa de mudá-lo. De Paris ao Rio, de São Francisco à Cidade do México, os jovens foram às ruas brigar pelo que achavam certo. Em suma, por liberdade, seja sexual, política ou comportamental. Para o mundo, 1968 começou com o sopro libertário da Primavera de Praga. Para o Brasil, terminou com uma nuvem negra chamada AI-5. Mas foi com a explosão dos protestos dos estudantes franceses que o ano ganhou nome e sobrenome: Maio de 68, tema desta reportagem que dá início à série que o JC publica até o próximo domingo.

A noite de 10 de maio de 1968 só acabou para Jan Bitoun às cinco da manhã do dia seguinte. O estudante de 18 anos passou horas escondido com colegas parisienses no apartamento de uma velhinha, no Quartier Latin, o bairro parisiense que virou o foco incendiário – literal e figurativamente – daquele mês de maio. Ele se escondia dos homens de preto da Companhia Republicana de Segurança (CRS), o equivalente francês das tropas de choque brasileiras, os trogloditas de cassetete na mão do general Charles de Gaulle. Jan Bitoun, hoje com 57 anos, foi um dos milhares de jovens franceses que foram às ruas brigar contra a polícia por mais liberdade, menos burocracia. Quarenta anos depois, professor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o então estudante de geografia sabe hoje que fez história naquela madrugada.
“Eu havia voltado de uma excursão geográfica e fui direto para o Quartier Latin. Lá, arranquei paralelepípedos do calçamento e ajudei a construir barricadas, que eram, para mim, muito mais um símbolo do que barreiras reais contra a polícia. Mas, como geógrafo, mapeei logo as possíveis rotas de fuga. Quando a CRS começou a bater, corri e me escondi, com outros colegas, embaixo da escada de um prédio. Então, uma idosa, em cujo apartamento haviam lançado gás lacrimogêneo, nos acolheu. Passei a madrugada tomando chá”, conta Bitoun, alternando sorrisos e cigarros.

A gênese do movimento de Maio de 68 tem sotaque alemão. Daniel Cohn-Bendit nasceu em Monatuban, na França, em 1945. Filho de alemães, foi criado do outro lado da fronteira. Em 1968, estudava sociologia na Universidade de Nanterre, situada nos arredores de Paris. “Ele era ótimo. Tinha os olhos muito vivos”, relembra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, professor de Cohn-Bendit naquela época.

O estudante liderou as reivindicações em Nanterre por alojamentos universitários mistos. Até então, mulheres ficavam em um canto, homens em outro. A reitoria disse não aos estudantes, que reagiram na forma de mais protestos. Até que Cohn-Bendit e outros colegas foram processados. Em represália, os estudantes ocuparam a reitoria de Nanterre, em 22 de março. “Ele estudava sociologia e eu, geografia. Conhecia Cohn-Bendit de vista, das assembléias. Nanterre ficava num subúrbio, perto de bairros de imigrantes. Convivíamos com as diferenças de muito perto. Então, havia uma maior consciência lá”, diz Jan Bitoun.
Em abril, Nanterre continuou sob protesto. A cada manifestação, havia mais prisões de estudantes. E, na seqüência, mais manifestações contra as prisões do protesto anterior. Uma bola de neve que se espalhou por outros câmpus parisienses, como a tradicional Sorbonne, encravada no Quartier Latin.

A truculência da CRS pôs mais lenha na fogueira. O que começou como uma reivindicação por alojamentos mistos em uma universidade suburbana incorporou novas bandeiras de luta: da reforma universitária ao fim da Guerra do Vietnã, passando pela rejeição à Guerra Fria e a derrubada do governo do presidente Charles de Gaulle – um herói da Segunda Guerra no poder há dez anos.

Quando maio chegou, só faltava acender o estopim. Universitários de Paris e outras cidades pararam a França. No dia 2, os estudantes de Nanterre fizeram uma greve, contra a convocação de Cohn-Bendit a uma junta disciplinar. No dia seguinte, o governo fechou a universidade. Os manifestantes rumaram para Sorbonne, Dany Le Rouge (o apelido de Cohn-Bendit) à frente. O reitor autorizou a ocupação do câmpus pela polícia – “decisão acadêmica excepcional jamais tomada na França a fim de pôr fim à agitação estudantil”, dizia o Jornal do Commercio de 4 de maio.

Em 10 de maio, milhares de pessoas foram às ruas e transformaram o Quartier Latin em uma mistura de quartel-general e bunker. Quando o sol se pôs, o bairro virou campo de batalha. Foi a “noite das barricadas”: 60 delas foram erguidas. “A CRS desmontou as barricadas e espancou muitos companheiros. Foi um momento interessante, mas não acreditava que isso fosse entrar para a história”, reconhece Jan Bitoun. Centenas de estudantes e policiais ficaram feridos. Mais de 400 manifestantes foram presos.
FHC, que morava no Quartier Latin, lembra que a agitação era permanente. “Duas vezes não pude dormir em casa, tive que ir para um hotel, porque estava tudo ocupado, cheio de polícia. Eu passeei pelas ruas, vi as barricadas, junto com Alain Turrain e Eric Hobsbawn. Senti o cheiro do gás lacrimogêneo e corri também”, conta o ex-presidente.
Em 13 de maio, o que estudantes em todo o mundo buscavam, os franceses conseguiram: a adesão dos trabalhadores. Mesmo contra a vontade do Partido Comunista, que comandava as principais centrais sindicais, cerca de 10 milhões de operários ocuparam fábricas e cruzaram os braços. A greve trouxe escassez de alimentos e gasolina. “Quem tinha carro e combustível dava carona a quem não tinha. Minha mãe, em uma ocasião, levou duas pessoas a manifestações diferentes: uma a favor de De Gaulle, outra contra”, relata Bitoun.
“Foi uma das maiores greves de todos os tempos. Na França sim, houve união entre os movimentos estudantil e operário”, confirma Luís Antonio Groppo, professor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo e autor do livro Uma onda mundial de revoltas: movimentos estudantis de 1968.

As greves operárias duraram até meados de junho. O último aluno desocupou a Sorbonne no dia 17. O governo atendeu às reivindicações operárias e as fábricas voltaram a funcionar. Em 23 de junho, De Gaulle esmagou a esquerda nas eleições. “A França é um país onde se gosta de brincar de revolução antes de votar à direita”, ironiza o professor da Sorbonne – e aluno de lá em 1968 – François Moreau, em entrevista ao JC.

Veja também:

BBC Brasil
Maio de 68: Viva a Revolução (Lucas Mendes)
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/05/080501_lucasmendes_ac.shtml

Folha on Line
Maio de 68 foi auge da década em que jovens "aceleraram" a história (Ébano Piacentini)
http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u396547.shtml

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